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Governo cumpre só 40% da meta para reforma agrária, e lentidão preocupa

Após sete anos de estagnação, as políticas de reforma agrária foram retomadas pelo governo federal em 2023. Mesmo com o avanço do número de assentamentos familiares, as metas traçadas ainda são consideradas insuficientes.

O que foi prometido

Governo quer incluir 326.132 famílias na reforma agrária. A proposta definida até o ano de 2026 teve o cumprimento de pouco mais de 40% (141.039 famílias) desde o início do novo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para o êxito da meta, são necessárias mais 185 mil inclusões neste ano e no próximo.

Incra reconhece limitação para ampliação das ações. "A nossa meta deveria ser 2 milhões de famílias, porque essa é a quantidade de minifundiários existente no Brasil", afirma Gustavo Souto de Noronha, diretor de gestão estratégica do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), vinculado ao Ministério de Desenvolvimento Agrário. A referência é baseada em dados do Censo Agropecuário, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Violência no campo. Dados coletados pela CPT (Comissão Pastoral da Terra) desde 1985 apontam para a soma recorde de 1.768 conflitos que envolvem disputas por posse e o uso da terra no ano passado. O número, referente a ocorrências, ocupações/retomadas e acampamentos, é 0,11% superior ao registrado em 2023 (1.766), ano do recorde anterior.

Número de assassinatos no campo caiu no ano passado. Apesar da evolução dos conflitos, a quantidade de óbitos ocasionados pela violência rural caiu na comparação com 2023, de 31 para 13 casos. A redução das mortes é atribuída à maior mediação das disputas, mas o cenário permanece desafiador. "Continua muito alto o número de pessoas ameaçadas. Só neste ano, nós já temos sete assassinatos", relata Carlos Lima, coordenador da CPT.

A comissão de enfrentamento à violência no campo, criada pelo governo federal, tem ido às comunidades no sentido de dizer: 'olha, o Estado brasileiro está preocupado com esse conflito aqui'. Talvez essa seja a referência da diminuição dos assassinatos.
Carlos Lima, coordenador da CPT

Estamos bem na resolução dos conflitos, buscando assentar o máximo de famílias acampadas, incluir outras famílias no programa e garantir o acesso à reforma agrária.
Gustavo Noronha, diretor do Incra

O que aconteceu

Ministério do Desenvolvimento Agrário foi recriado por Lula. Realocada dentro de outros ministérios durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, a pasta foi reintegrada à Esplanada em 2023. "Nós passamos por um período de abandono dessas políticas públicas, de negação, mas também de uma contraofensiva na tentativa de destruir o que até então havia sido construído nos últimos 40 anos, desde a redemocratização do Brasil", avalia Ceres Hadich, coordenadora nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra).

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Regularização de posse. De acordo com dados do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), os dois primeiros anos do novo mandato de Lula resultaram na regularização de 52.553 famílias e no reconhecimento de outras 47.024. Foram também incluídas famílias em assentamentos diferenciados (22.459) e tradicionais (19.003).

Modalidades de assentamento têm focos distintos. Enquanto os tradicionais envolvem as políticas de reforma agrária em fazendas incorporadas pela União e distribuídas para a produção agropecuária, os diferenciados foram originados na região amazônica e são destinados ao desenvolvimento sustentável. "É uma modalidade de assentamento originada em uma terra pública, voltada para comunidades que já vivem nesses locais", diz Noronha. Essa alternativa atende, principalmente, indígenas e quilombolas.

Em março, Lula entregou lotes para famílias acampadas em 138 assentamentos
Em março, Lula entregou lotes para famílias acampadas em 138 assentamentos Imagem: Ricardo Stuckert/PR

Objetivo do governo federal é considerado insuficiente. "Os instrumentos colocados não são eficazes para garantir acesso à terra", avalia Carlos Lima, coordenador da CPT (Comissão Pastoral da Terra). "O simples desenvolvimento de políticas, sem incidir diretamente sobre a concentração fundiária e a estrutura agrária do país, não representa reforma agrária", diz Hadich, do MST.

Lula entregou 15.650 lotes de terras em março deste ano. Uma das iniciativas de 2025 contou com a presença do presidente, em Campo do Meio (MG). A cerimônia representou a concessão para famílias de 138 assentamentos rurais de 24 estados. Na ocasião, Lula afirmou que a ação representava o início do pagamento de uma dívida de 525 anos do país com o povo brasileiro.

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Há uma projeção e um planejamento bastante interessantes do Incra em relação ao potencial de assentar novas famílias, mas, na ação real, isso não está se refletindo.
Ceres Hadich, coordenadora do MST

Atraso para a listagem das propostas reformistas é criticado. "O governo passou um ano e seis meses para apresentar um programa que tem como base a questão das terras públicas ocupadas", diz Lima. Ele avalia que falta ao Executivo priorizar a reforma agrária e atender às normas previstas pela Constituição. "Terra que não cumpre a sua função social precisa ser desapropriada", afirma o coordenador da CPT.

Incra atribui lentidão a desmonte do órgão entre 2016 e 2022. Noronha avalia que as políticas voltadas para a reforma agrária foram retomadas após a rejeição às propostas durante os governos de Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2019-2022). "Eles restringiram o Incra a um cartório", avalia Gustavo Noronha, diretor do Incra.

Destruir é muito mais fácil do que reconstruir.
Gustavo Noronha, diretor do Incra

Conflito dificulta o avanço da reforma agrária. Outra avaliação a respeito do atraso das políticas envolve o avanço de ações legislativas que dão força para os grandes agricultores e pecuaristas. "Há uma hegemonia do agronegócio do ponto de vista cultural, econômico e ideológico no Brasil", observa Hadich. O relatório da CPT destaca que a expansão do agronegócio dificulta a reforma agrária e a proteção dos territórios.

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O que vai acontecer

Governo prevê assentamentos e regularizações até 2026. Conforme a meta estabelecida pelo Programa Terra da Gente, 40.200 famílias ainda devem ser reconhecidas e outras 83.800 regularizadas até o próximo ano. A proposta também deseja incluir milhares de famílias em assentamentos tradicionais (41.093) e diferenciados (20 mil) no Programa Nacional de Reforma Agrária.

Lula está com o "pé no acelerador" para a reforma agrária. A declaração foi dada pelo ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, durante a Feira Nacional da Reforma Agrária promovida pelo MST. "Ficaram para nós as terras mais caras do Brasil para serem adquiridas. Mas não estamos constrangidos com isso", disse. Teixeira diz esperar pela entrega de novos assentamentos na Bahia, no Paraná e em Pernambuco ainda neste ano.

Preço das terras para agricultura mais do que dobrou desde 2019. Um levantamento divulgado pela Scot Consultoria, especializada no ramo do agronegócio, reforça a fala de Teixeira. O estudo mostra que o preço médio do hectare de terra no Brasil saltou de R$ 14.818,10 para R$ 31.609,87 nos últimos seis anos. O resultado é justificado pela pandemia do novo coronavírus, que elevou a cotação das commodities agrícolas, principalmente a soja e o milho.

"Busca por justiça social segue incessante", diz Noronha. "Nós vamos cumprir as metas estabelecidas com o presidente Lula e fazer avançar, dentro do possível, a reforma agrária", garante o diretor do Incra. "Vamos dar o maior gás possível. Se der para fazer mais, a gente certamente vai buscar um resultado ainda maior", reforça.

Orçamento é o principal entrave para desenvolvimento agrário. A Lei Orçamentária Anual de 2025 prevê a destinação de R$ 19,2 bilhões para políticas públicas voltadas à agricultura familiar. Dess total, R$ 2,7 bilhões serão destinados ao Incra. "A gente vem recompondo pouco a pouco o orçamento do Incra, mas ele ainda é extremamente insuficiente", afirma Noronha.

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Com o orçamento que a gente tem, nunca se fez tanto. [...] Para fazer mais do que estamos fazendo, só com mais dinheiro, e a gente sabe que a situação fiscal do país não permite.
Gustavo Noronha, diretor do Incra

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